sexta-feira, 28 de março de 2014

Foi estuprada? A culpa é sua, diz pesquisa

Ao ler o jornal na manhã de hoje, não acreditei: uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra que 65% dos entrevistados concordam com a seguinte afirmação: "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Outra frase, "se as mulheres soubesses como se comportar, haveria mens estupros", teve a concordância de 58% dos participantes da pesquisa.


Ainda aturdido, mas decidido a tentar tomar meu café da manhã, o rádio traz uma enrevista com uma sexóloga, dizendo que as mulheres estão muito vulgares, e que os entrevistados não deixam de ter uma certa razão. Cuspi o café na hora. Como pode, em pleno Século XXI, ouvirmos tamanhas baboseiras em rede nacional?

Se a mulher usa roupas inapropriadas, quem pode julgá-las? Ademais, quem julgará a maneira de se vestir de cada um? Um supremo conselho? Por que, em vez de culpar a mulher pela violência que ela sofreu, não se combate esta terrível prática? 

Sociólogos e historiadores frequentemente nos lembram de um dos mais arraigados traços culturais: o de sempre colocar a culpa no outro por nossos erros, fracassos e desgraças.

- Fulano foi roubado? Ah, mas ele bobeou, né? Estava andando por aquela rua à noite, aí já viu... 

- Fulana foi abusada? Mas ela também, com aqueles vestidinhos colantes, tá pedindo...

Culpar as mulheres pela violência sexual sofrida por elas é de um cinismo impressionante e revela toda a hipocrisia de nossa sociedade, que reclama por "um país melhor", mas, na encolha, reproduz padrões no mínimo condenáveis.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Fragmentos de histórias que ouvi por aí - 1 *



"Você vai aprender a virar homem, por bem ou por mal, Saul!", esbravejava dona Vera para seu filho. Ele acabara de revelar à mãe que era homossexual. Mas o que doeu de verdade em Saul naquela hora foi o tapa na cara. As marcas levaram dias para sumir. Isso sim doeu em seu coração. Ora, como uma mãe bate assim no filho?

Na cabeça de Saul, qualquer observador um pouco mais atento diria - com grande chance de acerto - que ele era gay. Sempre foi, nasceu assim. Apesar de tão claro para ele e seus amigos, o assunto nunca foi discutido com Vera, que no fundo também sabia, só não queria admitir. Ela se sentia culpada por não ter dado toda a atenção que - imaginava - seu filho merecia. A dúvida, e depois a certeza íntima, maltratavam sua consciência.

- Não foi pra isso que te criei, seu mariquinha! Eu te proíbo, eu te proíbo de sair de casa pra encontrar seus amigos viadinhos, ouviu, seu filho da puta? - esbravejou.

- Você não pode me proibir de mais nada, ouviu, mãe? Nada! Você pode berrar, me bater, mas isso não vai mudar o que eu sou. Ah, e outra coisa: respeite meus amigos, ouviu? Até mais!

Vera chorou. Num gesto meio ridículo, agarrou os pés de Saul, gritou como artista de novela mexicana. "Não sai, meu filho! Não sai!". Em vão.

 x 

 "Foi na Vila Mimosa. Coisas assim só podem acontecer na Vila Mimosa. Você recebe um convite dos amigos para sair. Sábado à noite, nada pra fazer. Você aceita. Vão todos parar em um boteco infecto da Rua Ceará, quartel-general dos amantes do Heavy Metal, do lado da Vila. A linha que divide headbangers e gang bangers é tênue, e diminui à medida que rolam os goles no maldito Cantina da Serra. Lá pelas tantas, o convite.

- Aí, bora lá na Mimosa, só de sacanagem?

Só de sacanagem, aham... Mesmo relutando, você vai e fica imaginando como pode o clima mudar de um quarteirão pro outro. Começa com uma inocente sinuquinha, depois um caraoquê, papo furado. "Mais tarde a gente vai dar uma volta". A coragem derivada do porre te empurra. "Bora logo. Partiu!" 
A gente começa a se embrenhar pela selva da Mimosa. No primeiro bar, as meninas com peitos de fora, te chamando pra entrar. Dois passos depois, outra combina com um cliente encostado no poste. "Vinte reais". Uma galeriazinha chama atenção. Uma porção daquelas luzes de boate, sabe? Luz negra e tal? Desse tipo... A gente entra pra ver qual é. Um monte de barzinhos enfileirados, tão iguais que nem precisavam ter paredes separando uns dos outros. Mais uma dançando pelada em cima do balcão. Aquilo já tava ficando banal. A gente queria mais, e fomos atrás. 
Achamos uma boate muito suspeita, no segundo andar de um comércio abandonado. A escada de acesso, putz... Era de dar medo. Lá em cima, o visual era de chorar. Muito ruim mesmo. Toca uma música de boate bem farofa. De repente, o DJ para de tocar e avisa: 

- Agora a porra ficou séria! Quem vai topar o desafio? 

Que desafio? 

- Vou botar agora uma música de 11 minutos. Quero três caras aqui em cima com as meninas. Olha aí, é uma pra cada um! Quero ver quem consegue gozar até o fim da música! 

O povo fica meio abobalhado, sem reação. Mas mesmo assim aparecem os três, digamos, guerreiros. Um moleque que não devia ter nem 18 anos, um coroa chapadão e um grandão com cara de mau. Não tinha passado nem dois minutos e as tentativas da moça que acompanhava o coroa não surtiam efeito. Ele estava fora de combate. Mais cinco minutos e o garoto saiu, também sem arrumar nada. 
Foi aí que a galera começou. "Caralho, olha o grandão, maluco! Esse cara é sinistro!" Esse era o comentário geral. Oito minutos, nove, e o cara já tinha comido a garota em todas as posições possíveis. A torcida se manifestando "Vaaaaai! Grandão! Grandão! No minuto final, ele acelerou. Parecia chegada da São Silvestre, aquele sprint. A garota olhava pra ele com aquela cara de espanto, e ele nem aí, focado no trabalho.
Foi então que, num gesto de extrema habilidade, ele deu um ippon nela e se agitou todo. Um grito rodou o salão. "Uááááááááááááá, gozei". Eu só lembrava aquele gol do Pet no Maraca, lembra? Aquele da final contra o Vasco! Foi assim mesmo. Um segundo de silêncio, e o grito no final do lance. "Éééééééééééééééééé!". Numa demonstração de poder supremo, o cara tirou a camisinha, amarrou e jogou pela janela. Eu nunca tinha visto nada igual. O pessoal saiu do bar em êxtase, como se fosse mesmo fim de campeonato. Ainda olhei pra trás e vi a parceira dele deitada no palco, meio tonta."


* Muita coisa foi mudada e/ou adaptada, para preservar a integridade dos envolvidos.