domingo, 24 de janeiro de 2016

Bloquinho, seu amiguinho

Eu tinha prometido a mim mesmo não pôr no papel mais nada que me afligisse. O mundo não perdoa chorosidades infrutíferas, e o que escrevo parece ridículo depois de um tempo. Mas cheguei à conclusão que é para ser assim mesmo. As linhas do bloquinho, ou a tela em branco, têm este propósito purificador - e abençoado - de amainar a dor.


E dores não faltam. O que falta mesmo é maturidade suficiente para lidar com os reveses. Daqui do meu quartinho vejo muitas pessoas, eu incluído, reagindo muito mal quando as coisas não saem como o planejado. Alguns choram; outros praguejam. A maioria se levanta com cicatrizes insaráveis, à primeira vista. Já estive nos três grupos.

Acontece que não dá para planejar a vida, em muitos aspectos. Só que nos esquecemos disso, e acreditamos sempre estar no controle. E enquanto fazemos nossos mirabolantes planos, Deus ri. Eu sei, você duvida da existência dele, não é? Mas eu não. É desse ponto de vista que eu vejo a vida.

Então, talvez seja o caso de ampliar nossos horizontes para descobrir que existe quem reaja com serenidade e se anime, pois sabe que um tombo pode ensinar mais sobre não cair que um conselho. Vai pra frente, amigo. Não tem como mudar o que já passou. E use sempre o bloquinho, seu melhor amigo.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O foguete

Era uma gincana da escola onde Miguel estuda. Os alunos, junto com os pais, deveriam fazer um brinquedo com coisas velhas de casa. A peça tinha que ter rodas, já que o tema da tarefa era a influência do objeto, desde a pré-história.
Porém, como todas as missões aqui em casa são nível hard, Miguel decidiu, com toda a autoridade que seus seis anos lhe permitem: vamos fazer um foguete. "Tudo bem", pensei. Afinal, não deve ser tão complicado assim. No meu tempo de criança, a criatividade lá em casa era tanta que eu e meu irmão produzimos o maior portento das telecomunicações deste país: a antena MongoSat.  
O problema é que o trabalho do Miguel valia uma premiação, e nós ESQUECEMOS de fazer no prazo, que vencia hoje. Quando nos demos conta, já era tarde. Não se pode fazer uma promessa a uma criança de seis anos se não houver absoluta certeza de que será cumprida. Bom, tínhamos que fazer alguma coisa. Depois de muita discussão, vem do Pedro a ideia salvadora: por que não pegar uma garrafa PET? Mas é claro! Vai ficar muito bonito!

Mais uma vez, a simplicidade infantil dando de 7 a 1 no pensamento limitado dos marmanjos. As coisas clarearam. Pega um papelão daqui, umas tampinhas de garrafa dali, papel para forrar, palpites mil... Voilà! Tínhamos um protótipo.
Mas a tarefa não estava totalmente cumprida. Miguel precisava dar os toques finais. Quando cheguei do trabalho, fomos terminar a aeronave mais psicodélica que se tem notícia. O resultado está aí. O mais legal, no entanto, foi ter envolvido toda a família em um trabalho de reaproveitamento e de muita troca de ideias. A gente acaba aprendendo mais que eles.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Foi estuprada? A culpa é sua, diz pesquisa

Ao ler o jornal na manhã de hoje, não acreditei: uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra que 65% dos entrevistados concordam com a seguinte afirmação: "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Outra frase, "se as mulheres soubesses como se comportar, haveria mens estupros", teve a concordância de 58% dos participantes da pesquisa.


Ainda aturdido, mas decidido a tentar tomar meu café da manhã, o rádio traz uma enrevista com uma sexóloga, dizendo que as mulheres estão muito vulgares, e que os entrevistados não deixam de ter uma certa razão. Cuspi o café na hora. Como pode, em pleno Século XXI, ouvirmos tamanhas baboseiras em rede nacional?

Se a mulher usa roupas inapropriadas, quem pode julgá-las? Ademais, quem julgará a maneira de se vestir de cada um? Um supremo conselho? Por que, em vez de culpar a mulher pela violência que ela sofreu, não se combate esta terrível prática? 

Sociólogos e historiadores frequentemente nos lembram de um dos mais arraigados traços culturais: o de sempre colocar a culpa no outro por nossos erros, fracassos e desgraças.

- Fulano foi roubado? Ah, mas ele bobeou, né? Estava andando por aquela rua à noite, aí já viu... 

- Fulana foi abusada? Mas ela também, com aqueles vestidinhos colantes, tá pedindo...

Culpar as mulheres pela violência sexual sofrida por elas é de um cinismo impressionante e revela toda a hipocrisia de nossa sociedade, que reclama por "um país melhor", mas, na encolha, reproduz padrões no mínimo condenáveis.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Fragmentos de histórias que ouvi por aí - 1 *



"Você vai aprender a virar homem, por bem ou por mal, Saul!", esbravejava dona Vera para seu filho. Ele acabara de revelar à mãe que era homossexual. Mas o que doeu de verdade em Saul naquela hora foi o tapa na cara. As marcas levaram dias para sumir. Isso sim doeu em seu coração. Ora, como uma mãe bate assim no filho?

Na cabeça de Saul, qualquer observador um pouco mais atento diria - com grande chance de acerto - que ele era gay. Sempre foi, nasceu assim. Apesar de tão claro para ele e seus amigos, o assunto nunca foi discutido com Vera, que no fundo também sabia, só não queria admitir. Ela se sentia culpada por não ter dado toda a atenção que - imaginava - seu filho merecia. A dúvida, e depois a certeza íntima, maltratavam sua consciência.

- Não foi pra isso que te criei, seu mariquinha! Eu te proíbo, eu te proíbo de sair de casa pra encontrar seus amigos viadinhos, ouviu, seu filho da puta? - esbravejou.

- Você não pode me proibir de mais nada, ouviu, mãe? Nada! Você pode berrar, me bater, mas isso não vai mudar o que eu sou. Ah, e outra coisa: respeite meus amigos, ouviu? Até mais!

Vera chorou. Num gesto meio ridículo, agarrou os pés de Saul, gritou como artista de novela mexicana. "Não sai, meu filho! Não sai!". Em vão.

 x 

 "Foi na Vila Mimosa. Coisas assim só podem acontecer na Vila Mimosa. Você recebe um convite dos amigos para sair. Sábado à noite, nada pra fazer. Você aceita. Vão todos parar em um boteco infecto da Rua Ceará, quartel-general dos amantes do Heavy Metal, do lado da Vila. A linha que divide headbangers e gang bangers é tênue, e diminui à medida que rolam os goles no maldito Cantina da Serra. Lá pelas tantas, o convite.

- Aí, bora lá na Mimosa, só de sacanagem?

Só de sacanagem, aham... Mesmo relutando, você vai e fica imaginando como pode o clima mudar de um quarteirão pro outro. Começa com uma inocente sinuquinha, depois um caraoquê, papo furado. "Mais tarde a gente vai dar uma volta". A coragem derivada do porre te empurra. "Bora logo. Partiu!" 
A gente começa a se embrenhar pela selva da Mimosa. No primeiro bar, as meninas com peitos de fora, te chamando pra entrar. Dois passos depois, outra combina com um cliente encostado no poste. "Vinte reais". Uma galeriazinha chama atenção. Uma porção daquelas luzes de boate, sabe? Luz negra e tal? Desse tipo... A gente entra pra ver qual é. Um monte de barzinhos enfileirados, tão iguais que nem precisavam ter paredes separando uns dos outros. Mais uma dançando pelada em cima do balcão. Aquilo já tava ficando banal. A gente queria mais, e fomos atrás. 
Achamos uma boate muito suspeita, no segundo andar de um comércio abandonado. A escada de acesso, putz... Era de dar medo. Lá em cima, o visual era de chorar. Muito ruim mesmo. Toca uma música de boate bem farofa. De repente, o DJ para de tocar e avisa: 

- Agora a porra ficou séria! Quem vai topar o desafio? 

Que desafio? 

- Vou botar agora uma música de 11 minutos. Quero três caras aqui em cima com as meninas. Olha aí, é uma pra cada um! Quero ver quem consegue gozar até o fim da música! 

O povo fica meio abobalhado, sem reação. Mas mesmo assim aparecem os três, digamos, guerreiros. Um moleque que não devia ter nem 18 anos, um coroa chapadão e um grandão com cara de mau. Não tinha passado nem dois minutos e as tentativas da moça que acompanhava o coroa não surtiam efeito. Ele estava fora de combate. Mais cinco minutos e o garoto saiu, também sem arrumar nada. 
Foi aí que a galera começou. "Caralho, olha o grandão, maluco! Esse cara é sinistro!" Esse era o comentário geral. Oito minutos, nove, e o cara já tinha comido a garota em todas as posições possíveis. A torcida se manifestando "Vaaaaai! Grandão! Grandão! No minuto final, ele acelerou. Parecia chegada da São Silvestre, aquele sprint. A garota olhava pra ele com aquela cara de espanto, e ele nem aí, focado no trabalho.
Foi então que, num gesto de extrema habilidade, ele deu um ippon nela e se agitou todo. Um grito rodou o salão. "Uááááááááááááá, gozei". Eu só lembrava aquele gol do Pet no Maraca, lembra? Aquele da final contra o Vasco! Foi assim mesmo. Um segundo de silêncio, e o grito no final do lance. "Éééééééééééééééééé!". Numa demonstração de poder supremo, o cara tirou a camisinha, amarrou e jogou pela janela. Eu nunca tinha visto nada igual. O pessoal saiu do bar em êxtase, como se fosse mesmo fim de campeonato. Ainda olhei pra trás e vi a parceira dele deitada no palco, meio tonta."


* Muita coisa foi mudada e/ou adaptada, para preservar a integridade dos envolvidos. 

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Comentários sobre coisas que saem no jornal




Vocês viram a foto do Dois Irmãos sem o Vidigal, que está na coluna do Ancelmo Gois de hoje? Uma gritaria danada sobre o preconceito do Shopping Village Mall, que estampou a foto modificada em uma área de lazer. A administração se apressou em afirmar que a culpa foi do decorador, que teria manipulado digitalmente as imagens. Ok, que falha absurda, senhor fotógrafo... Mas a administração do Village não tinha reparado no detalhe? Oh, coitados...Estou sensibilizado com o nível de conhecimento da cidade por parte dos gerentes de lá.




Um homem negro rouba uma senhora, que chama a Polícia. Os policiais saem com a senhora para tentar encontrar o bandido. Veem alguém cuja descrição bate com a fornecida pela vítima. O homem é reconhecido, detido e levado para o presídio. Tudo nos conformes? Não. O homem era inocente. A senhora que foi roubada admitiu ter se enganado e pediu desculpas. Poderia ser mais um caso para apenas contar nas estatísticas, não fosse a grande repercussão que o caso teve e o fato de o preso ser ator, com participação em novelas. Vinicius Romão ficou 16 dias preso em São Gonçalo. Obteve a liberdade, mas terá que se apresentar à justiça periodicamente. O crime cometido por ele? Ser negro em uma sociedade hipócrita, que diz que não mas é, sim, racista até a alma. A senhora se enganou, mas quem tem mesmo que se explicar é a Polícia e o Ministério Público, que permitem a prisão de inocentes baseadas em... em que, mesmo?

Foto: FIP


Manifestantes queimam jornais em manifestação contra a imprensa facista. Não se trata de provocação, apenas uma observação: Lembrei de um filme, Fahrenheit 451, sobre uma sociedade onde o pensamento crítico era suprimido e ter opiniões era considerado falta grave. A quem interessar, eis aí:


Morreu esta noite mais um dos grandes nomes do rádio brasileiro: Loureiro Neto. Veio da minha Milena uma das mais singelas e belas homenagens a ele. "Gostava da voz dele. Foi com ele que eu comecei a ouvir rádio, graças a você". Obrigado por tudo, mas, principalmente, por conquistar mais uma amante para o rádio, Loureiro! Sentiremos sua falta!


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

"Que inferno!"

   O grito de exasperação e angústia saiu da boca do vendedor de balas no ônibus, hoje pela manhã. Da janela, a paisagem era desesperadora, confesso. Um engarrafamento monumental, cujo fim não se via. O calor, de lascar. O rapaz desistiu de esperar e desceu no meio da Presidente Vargas congestionada.

  Me identifiquei imediatamente com o sujeito. Eu também penso em levantes populares e revoluções enquanto ando de ônibus. É uma vergonha pagar três reais para andar em ônibus ridículos e superlotados, sendo tratado como gado. E ainda posso ser considerado um afortunado, já que o Metrô, trens e barcas (rs) são mais caros e conseguem ser piores. 

Não foi o de hoje. Estava pior, pode crer

   A cidade está um caos, e isso tem gerado um estresse sem precedentes nos cariocas. Uma pesquisa realizada pela UniCarioca, publicada em diversos jornais e sites mostra que 49% dos 762 entrevistados reclamam da demora excessiva em chegar a algum ponto da cidade. Quem circula por aí sabe que a coisa está muito ruim mesmo. Com as obras espalhadas pelo Rio, a mobilidade - que já era péssima - piorou. A gota d'água foi a decisão da prefeitura, que começou a desmontar o trecho da Perimetral que vai da Praça Mauá até a Av. General Justo. O Centro está impraticável, mesmo com todas as mudanças feitas para tentar destravar o tráfego.

   Por consciência ou por necessidade mesmo, o carioca tem feito a sua parte. Na semana passada, o Metrõ bateu recorde de viagens. Foram mais de 805 mil pessoas transportadas em um dia. A Supervia (hahaha) registrou aumento de 10% no fluxo de usuários. É gente demais trafegando por sistemas que, em condições normais, já beira o colapso. 

  Por enquanto, no horizonte, só se vê o mar de veículos parados, além de pessoas amontoadas em vagões de composições sem rumo. Por enquanto, tente fazer o que sugere o secretário Carlos Roberto Osório: Pense que terá uma cidade melhor no futuro. Quem sabe você não se estressa menos?

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Cansaço, cozinha e falta de educação

Meu sábado foi dividido basicamente em duas tarefas das mais nobres e honradas: dormir e cozinhar. Até ameacei fazer alguma coisa pela manhã, mas o cansaço me venceu. Acordei de novo, desta vez para almoçar, e daí me bateu uma vontade danada de fazer umas comidinhas.

Desde pequeno a cozinha me fascina. Sempre gostei de criar coisas (que nem sempre ficam boas, é verdade). Lembro que minha avó tinha um livrinho, herdado da tia Ruth, com verdadeiras preciosidades, como biscoitos de nata ou bolo Luis Felipe, ambos complicados de fazer, porém deliciosos.

Empadão de frango: é o que temos para hoje


Cozinhar, para mim, tem um efeito terapêutico. É a hora em que eu me desligo do mundo, me encontro, converso comigo mesmo. Preciso demais de momentos assim, de calma e relaxamento. Se tiver uma cervejinha, então, a coisa melhora muito. E assim foi hoje.

Falando em relaxamento, ou melhor, na falta de, hoje me dei conta de como o mundo está falando cada vez mais alto. No shopping, as pessoas não conversam mais. Quando o fazem, tem que ser como repórter no carnaval, gritando nos ouvidos do interlocutor. Que coisa estranha.

De uma maneira geral, tenho visto muito pouca civilidade nas ruas. A pessoa te dá um encontrão - mesmo sem querer -, olha para a sua cara, e vai embora. No transporte coletivo, então, é um negócio que vou te contar. Nada me deixa mais irritado do que alguém que se faz de morto para não ceder lugar a outra pessoa mais necessitada.

Triste e sintomático comportamento de uma sociedade que ridiculariza (ou desconhece) boas maneiras e vê valores na falta de educação.