Minha avó. Grande figura. Ando pensando demais nos ensinamentos que ela deixou. Infelizmente a vida seguiu seu curso, e ela nos deixou no dia cinco de fevereiro do ano passado. O maior medo dela era morrer dormindo, e foi ironicamente o que aconteceu. Aquela cena jamais vai sair da minha mente. Ver o corpo de dona Raimunda ali, gelado, sentado na velha cadeira de balanço foi horrível para mim, como se eu também tivesse morrido um pouco.
O pior da morte de um ente querido não é o fato em si, mas a burocracia burra, que faz a gente se sentir impotente diante da desgraça. É seguro funeral, remoção, certidão de óbito, sepultamento... Desgastante, física e emocionalmente.
Pensava nos momentos de alegria que tivemos juntos, e foram muitos. Como no dia em que fomos passear em Araruama, verdadeiro santuário para mim e meu irmão. Ou quando fomos passear de saveiro pela Baía da Ilha Grande e eu voltei com o mar dentro minha cabeça, o barulho das ondas. Teve também o aniversário de 60 anos dela, um verdadeiro festão, com toda a família reunida, do jeito que ela gostava...
Foi muitas vezes o meu ombro amigo, quando eu sofria com a ausência do meu pai. Nas vezes em que passávamos as tardes comendo castanha de caju, que ela mesmo torrava no quintal. Foi quem me mostrou o valor do rádio, hoje tão presente na minha vida, minha paixão. Ela adorava o Paulo Giovanni, o Haroldo de Andrade e o Edmo Zarife, e aquele vozeirão dele até hoje está no meu pensamento.
Infelizmente brigamos muito também, várias vezes, por tantas bobagens que já nem me lembro mais. Ah, se eu pudesse apagar isso da minha mente... Depois, eu já adulto, nos acertamos. Mas com essa vida louca, tanto trabalho, filhos, não sobrou tempo para ela.
Dona Raimunda guardava com todo o carinho as fotos dos netos e bisnetos, até uma que eu tirei de óculos quando tinha uns oito anos e achava horrível. Mas ela gostava. E sentia que ao ver aqueles momentos congelados para sempre poderia ter a ilusão de voltar no tempo, das conversas com a Dona Helena no portão de casa, ou do chá com biscoitos com a Dona Ruth, das visitas surpresa da Tia Iracema, dos momentos de descontração com o Vô Bisa, pai dela, e que ela reverenciava como um herói.
O absurdo da situação me roubou as lágrimas naquele cinco de fevereiro. Era tanta gente chorando, alguém precisava ter a cabeça fria para resolver as coisas práticas, como eu e meu irmão fizemos. O pior para mim foi pegar a certidão de óbito e ver escrito Raimunda Albertina Gomes Fidelis. Era também um pedaço do Thiago Fidelis que morria. Escrevo hoje porque a saudade apertou, e não tenho o telefone de São Pedro para deixar um recado.